Mercado de trabalho de Artes Cênicas: tudo que você precisa saber

Percebemos ao longo desse isolamento social, o quanto a arte faz parte do dia a dia e o quanto ela é importante. Por isso, começaremos uma série de postagens no nosso blog sobre como é o  mercado de trabalho de atores, músicos, dançarinos, entre outros. Nesse primeiro post, trazemos o depoimento da nossa ex-aluna Mariana Marinho, que além de jornalista e dramaturga, também é atriz. Confira:

Como é o mercado de trabalho?

Basicamente, o profissional pode trabalhar no teatro (adulto, infantil, musical, performático, experimental…) e no audiovisual (cinema, TV, publicidade, internet…). O mercado de trabalho, porém, é bastante incerto e instável. Basicamente, os artistas vivem de projetos (uma peça, uma série, um filme, uma novela, um comercial…) que duram um determinado período, a depender do contrato. Ou seja, a cada fim de projeto, você precisa buscar o próximo e isso depende de uma rede de contatos e de parcerias que o profissional articula e também  de uma pitada de sorte. 

Foto: Caio Oviedo

Exemplo – Você pode ter uma ideia incrível para uma peça, mas não ter como torná-la viável financeiramente ou você pode ser uma ótima atriz, mas o seu perfil não ser o escolhido para o filme X. As variáveis são muitas. A questão é como você consegue abraçar essa instabilidade inerente à profissão, ainda mais em um país como o Brasil que historicamente desvaloriza a cultura e seus profissionais. Abraçar a instabilidade e surfar nela é o que nos espera. 

Quais as formações e qualificações que esse profissional deve ter?

Cada atriz e ator tem uma formação muito particular, ou seja, não há uma fórmula. A trajetória de um artista bem sucedido não necessariamente vai dar certo para você. Isso porque a arte da atuação é uma manifestação muito singular. O que eu acredito é que a atriz e o ator têm que estar sempre em investigação e treinamento. Não é uma profissão que você estuda, se forma e entra para o mercado de trabalho. A formação é diária e para a vida toda.

Foto: Caio Oviedo

Apesar de serem muitas as possibilidades de formação de uma atriz e de um ator, basicamente há formações:

– Técnica: cursos mais curtos (em torno de dois anos) 

– Acadêmica: cursos longos (em torno de quatro anos) oferecidos por universidades públicas e privadas.

– Livre: cursos oferecidos por artistas e companhias teatrais, geralmente focados em uma pesquisa ou técnica específica de atuação.

O importante para um artista, no começo de carreira, é ter disponibilidade para se conhecer: entender o que gosta, entender suas habilidades e suas dificuldades, estudar, criar referencial (ver espetáculos, filmes e exposições, ler…). A partir disso, é possível ir criando seu universo particular e ir encontrando parceiros de trabalho com quem você queira trocar experiências. A arte da atriz e do ator é sempre coletiva, ainda que tenha muito estudo e muita investigação individual. 

São boas qualificações gerais para alguém que deseja ser uma atriz e um ator: gostar de criar, gostar de contar histórias, gostar de trabalhar em grupo e gostar de administrar a própria carreira. Há também as habilidades mais específicas, dançar, cantar, escrever… Não ser tímido ajuda? Ajuda. Mas tem muito ator incrível que é tímido. E tá tudo bem. Tenho que ter talento? A questão é: O que é ter talento? 

Como é a questão da remuneração e do reconhecimento?

A maioria das atrizes e dos atores não pagam suas contas só atuando, mesmo os que já têm certo reconhecimento. Para complementar a renda, há quem dê aula de teatro, quem trabalhe em outras áreas dentro do campo artístico e quem busque outros ramos (trabalhar em eventos, em restaurantes, fazer freelas…). 

Atrizes e atores que trabalham no teatro, por exemplo, na maioria das vezes só conseguem realizar suas produções por meio de editais oferecidos pelo governo e por instituições ou fazem a peça “na raça”, ou seja, investindo capital do próprio bolso e contando com o dinheiro da bilheteria (que, muitas vezes, paga apenas a própria produção do espetáculo). 

Comparada ao teatro, a remuneração do audiovisual é melhor, principalmente se você pega papéis maiores. Geralmente, as atrizes e os atores estão envolvidos em muitos projetos simultâneos para conseguirem  uma remuneração mais encorpada.  

Assim como a formação, o reconhecimento é algo muito particular na trajetória de cada artista: alguns são reconhecidos muito jovens, outros mais velhos e há quem não seja amplamente reconhecido nunca. E tudo bem. O reconhecimento da profissão pode vir de diversas formas e não tem necessariamente a ver com a fama,  e fazer sucesso. Há quem seja conceituado no meio artístico, mas não seja publicamente conhecido pelo público não especializado. 

No geral, são reconhecidos em termos de fama, atrizes e atores que atuam na televisão e no audiovisual. O entendimento de reconhecimento também varia muito para cada um e em cada período da carreira. O importante, penso eu, é buscar realizar trabalhos e projetos que façam sentido para você. Confiar neles, na sua criação, e não buscar fazer algo para ter reconhecimento. Isso é legal? Claro que sim, mas não pode ser o mais importante.   

Quais são os desafios diários da profissão?

O principal desafio é fazer a sociedade entender que a atriz, o ator e os artistas em geral são profissionais que precisam ser remunerados e que prestam um serviço essencial para a sociedade: a cultura. Não são deuses do Olimpo que devem ser ovacionados, mas são profissionais como outros, como médicos, engenheiros e advogados, que precisam ter seus direitos de trabalho garantidos e respeitados, com a diferença de que os artistas atuam num mercado que tem outras especificidades e uma lógica de produção distinta de profissões costumeiramente chamadas de convencionais. 

Cenas da peça 11 selvagens

Foto: Tati Takiyama

Alguns desafios cotidianos são:

– instabilidade financeira;

– fazer vários testes e receber cem “nãos” pra um “sim”;

– preocupação com a imagem (o que pode gerar insegurança se você ficar o tempo todo se comparando);

– estabelecer uma boa rede de contatos e de parceiros, o que vai permitir que você esteja sempre trabalhando e criando;

– escolher qual o melhor agente ou agência para te ajudar na carreira;

– encontrar formas de se manter criativo.

Qual o melhor e o pior dessa profissão?

O pior são todas as incertezas, as inseguranças e as instabilidades. O medo de não ser “tão boa”, de não “acontecer”, de não ter grana. O melhor é a possibilidade de dialogar e trocar experiências com as pessoas, os artistas parceiros e o público. É poder refletir poeticamente sobre a realidade, é poder expressar o que sente e ver isso ressoar, é poder criar mundos e pessoas. É não ter rotina, é ser autônoma. É poder inventar, pesquisar e estudar. É se apaixonar muito e muitas vezes por um texto, por uma personagem, por um projeto, por muitas pessoas, por uma ideia. É ganhar parceiros de trabalho que são companheiros de vida.

O que você gostaria de saber a respeito dessa profissão quando saiu da Escola?

Gostaria de ter entendido melhor as possibilidades de trabalhar com arte, seja com atriz, dramaturga, escritora, artista visual… Quando me formei na  escola, eu não achava que poderia chamar de trabalho, arte,e como atriz, de profissão. O que de fato um artista da cena faz? Como é seu cotidiano? Como se sustenta? É importante tirar o rótulo de hobby das atividades culturais e analisar, por exemplo, as reais condições de mercado de trabalho, de caminhos possíveis. 

Foto: Caio Oviedo

Que dicas teria para quem quer ingressar nessa área?  

Coragem, paciência e disposição, companheiras e companheiros! Ser artista no Brasil nunca foi fácil e ouso apostar que, infelizmente, será assim por mais alguns bons anos. E tudo bem, vamos lá. Atuar não é só ter sucesso e glamour, mas é ter sua capacidade de suportar, de resistir, de inventar. A dica é: se divirtam. Estudem muito, se conheçam, frequentem muito o teatro e o cinema, leiam livros. Sejam radicais, irreverentes! Se apaixonem! Criem, ousem! Deem a mão para os seus parceiro e confiem. Por mais difícil que seja, a arte nunca abandona a gente.   

Mariana Marinho é atriz, dramaturga e jornalista. No teatro, realiza projetos que priorizam a pesquisa, a experimentação de linguagens e a criação coletiva. Como atriz, suas montagens mais recentes são “Roda Morta”, com direção de Clayton Mariano, e “11 Selvagens”, dirigida por Pedro Granato e considerada pela Veja SP umas das dez melhores peças em cartaz em 2017. No audiovisual, atuou no longa “Roda Morta”, com direção de Dellani Lima.

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