Dá para viver de música no Brasil?

Finalizando a nossa série de matérias sobre arte na quarentena, conversamos com o nosso ex-aluno, Rafael Moreira, que é músico, locutor e agente cultural. Confira!

Foto: Igor Gimenez

Como é o mercado de trabalho de um músico?

O mercado de trabalho de um músico é amplo e complexo. Ao mesmo tempo que é possível atuar em diversas áreas, desde o amparo artístico como técnico, há um desgaste natural da caminhada pela desvalorização deste profissional (mas não será este o ponto em que vamos navegar, rs). As oportunidades podem ser criadas e geridas, ainda que demandem uma força  extracurricular (o que para muitos e muitas não está em opção durante a formação e nem na prateleira social). Existe uma importância relativa em mostrar o seu trabalho, criar uma rede de contatos e ampliar suas formas técnicas. A música é profunda e pode nos possibilitar a independência econômica assim como qualquer profissão. É importante reforçar que existem inúmeras formas de atuação dentro do enredo popular: músicos compositores, professores, músicos de estúdio, músicos que atuam em shows ao vivo, shows programados, compositores de trilhas, jingles, músicas técnicas para ensino, entre outras. A área erudita e clássica é um outro lado, amplo e de muitas possibilidades. A minha realidade é uma entre tantas mil que possam existir para um profissional da música, seja ela por contexto social e/ou artístico. Há formas adaptadas de um músico compor a sua função na sociedade. Além de ter uma importância intransferível, é ele(a) quem vai ser responsável por provocar uma das melhores sensações e emoções na sua vida.

Foto: Thiago Danziger

Quais as formações e qualificações que esse profissional deve ter?

O primeiro passo para esse mergulho profundo é saber que não será fácil. A vida do profissional da música é um mar em constante agito, desde os artistas menos conhecidos até os mais consagrados, seja tecnicamente, socialmente em audiência, ou  na sua consciência mais profunda. Assim como todas as outras áreas, o importante é que ela te alimente como ser humano e como cidadão/cidadã. A música nos permite ser, mas todo o estudo sempre será fundamental e indispensável. Caso a possibilidade de uma formação técnica seja viável, eu aconselho que uma faculdade vai abrir os seus olhos, e você vai se aprofundar e ver como o universo da música funciona. Assistir a shows, navegar por outros instrumentos que não sejam da sua especialidade, isso é primordial para que você tenha as ferramentas necessárias para enfrentar o mercado e ao mesmo tempo se formar como profissional. Mas existe um ensinamento que a vida vai trazer, desde o sopro cotidiano até as dificuldades e momentos que lhe faltarão ar. As emoções em que você se permitir viver vão ser a parte que completarão a sua formação como músico/musicista. 

Foto: Thiago Danziger

Como é a questão da remuneração e do reconhecimento?

A remuneração passa por diferentes vieses. No mercado, existem trabalhos que são potencialmente bons e que pagam muito bem para você conseguir realizar seus trabalhos, sua expressão, sua ideia, com suporte técnico e artístico, e existem trabalhos que você poderá cumprir por um caráter de oportunidade (muitas vezes com remuneração baixa ou até mesmo com apenas uma cobertura de custos). Mas é um leve engano quando achamos que qualquer via é uma oportunidade. Elas se criam por nós mesmos, quase sempre. A luta por um espaço artístico público é ampla, e o que mais ainda se faz necessário é uma união da classe. Mas para alcançar esse lugar de bons trabalhos, é necessário muito estudo e também muito comprometimento, além do respeito pela música. Não se pode crer em avanço, sem antes você acreditar em si e no seu talento, na sua dedicação. O reconhecimento é fruto de um trabalho sincero. Em todas as minhas oportunidades em que pude ser eu mesmo – desde a elaboração até a finalização de qualquer trabalho – eu percebi que passar um pouco de mim transformava a obra/espetáculo em um movimento pessoal. A música é a extensão da personalidade, é a nossa verdade. O reconhecimento é automático quando você consegue ser. 

Quais são os desafios diários da profissão? 

Acredito que a falta de suporte e valorização do mercado é uma coisa chata, persistente e um grande inimigo do(a) músico/musicista. É necessário muitas vezes ignorar alguns movimentos para conseguir se superar. E ainda assim se reinventar (no pessoal e no coletivo). O estudo e a busca por conhecimento é a porta certa pra que você amplie esse espaço de criação, de nutrição profissional, de variação de conteúdo. A relação entre banda e profissionais que percorrem anos juntos(as) também é sempre um caminho significativo de aprendizado. É uma relação de escolhas. É muito importante olhar o sacrifício do(a) outro(a).  A própria música nos ampara, acalma e guia. Posso garantir que nenhum dos desafios são maiores que a satisfação em desfrutar da beleza que é poder fazer música.

Foto: Thiago Danziger

Qual o melhor e o pior dessa profissão?

O melhor é a música. É uma oportunidade divina por tocar um instrumento. Tocar o instrumento com uma outra pessoa é ainda mais divino. É uma conversa com a sua alma e, quando você percebe que essa linguagem e essa conexão são frutos da beleza de existir e viver, você possibilita o diálogo com outras almas, com outros ouvintes. Esse é o maior presente. Ela nos leva a lugares incríveis, tanto aos que os olhos veem como às emoções que estão guardadas no seu coração. 

O pior é perder datas comemorativas, como aniversário dos amigos e familiares, ano novo, Natal… Quase sempre estamos trabalhando – e acabamos perdendo esses e outros momentos. Uma agenda de shows também muitas vezes pode ser desgastante. Viajar, dormir fora, não ver outros amigos – você acaba se doando um pouco a mais pelo seu sonho, e isso faz parte. O trabalho de produção dos shows, dos eventos, também é burocrático e faz com que a gente se atualize de outras áreas para conseguir efetivamente chegar aonde queremos – e essa busca estrutural que vai além de tocar é a realidade de muitos músicos brasileiros e como não temos suporte, temos que cumprir as outras funções que levam até a nossa.

O que você gostaria de saber a respeito dessa profissão quando saiu da Escola?

Quando eu estava na ENSG, eu já tocava contrabaixo. Eu tinha muito incentivo dos amigos e professores – não pela escolha da música como profissão, mas sim em desenvolver esse interesse. Eu queria viver com a música como uma amiga para realizar sonhos, ver shows, fazer shows com minha banda (Macaxeira), E estudar música, ver até aonde ela poderia chegar. Até hoje isso se faz significativo. Procurei alguns caminhos que ela poderia me proporcionar e encontrei a faculdade de Publicidade e Propaganda. Era possível atuar fazendo jingles publicitários (canções personalizadas para marcas/produtos) e locuções. Senti que aquele caminho seria um primeiro passo. Não escolhi a faculdade de música naquele momento, mas entendi que ela já fazia parte de mim e seria responsável pelas melhores experiências da minha vida como telespectador ou como músico atuante. 

Foto: Aime Uehara

Que dicas teria para quem quer ingressar nessa área?

A minha dica é permita-se ser. A música vai reger você e a forma como você vai olhar o mundo. A cada obra deixada, um ensinamento. E é possível ver que muitos, antes de nós, já fizeram o mesmo. Um outra dica é não desistir. Não importa o que aconteça, caso você seja escolhido pela música e para ser um agente del., Honre, por mais que a caminhada seja contrária ao que você sonhou. Encare os desafios e lembre-se de que tudo depende de você. Existe um mundo muito melhor e profundo. A música é natureza e a natureza também é música. O ser humano não vive sem, e sempre vai caber mais um(a) para se expressar através dela. 

Atualmente, onde você toca?

Atualmente, trabalho como baixista/backing vocal e produtor em quatro bandas de diferentes segmentos no mercado da música: Banda Segundo Departamento (2ºDP), Banda Chocolate Quente, Banda Off The King, e Banda Macaxeira.

Banda Segundo Departamento (2ºDP):

A banda 2ºDP é um trabalho de experimentação, com 14 anos de existência, onde a gente faz um mergulho na MPB, em gêneros como o Rock e Samba-Rock. Com uma característica bem “Brasuca”, os shows do 2ºDP são sempre um convite fiel à dança, ao convívio popular e ao conhecimento da nossa história. Iniciamos em 2019 a circulação do show “Sede de Viver Tudo – 2ºDP Visita o Clube da Esquina”, um dos trabalhos com mais relevância cultural e profissional para o grupo.

Banda Chocolate Quente

A Banda Chocolate Quente nasceu da ideia de levar amor através do som. Especializada em casamentos e eventos sociais, propõe sempre um repertório sofisticado, regado de muito profissionalismo e atenção, além do carisma dos integrantes. Com a proposta de atuar nas cerimônias de casamentos, recepção de convidados até proporcionar uma pista de dança muito- agitada, o grupo é um retrato vivo dos seus integrantes, que como uma família, vivenciam momentos através da música que se transformam em histórias inesquecíveis.

Banda Off The King

O Off The King atende aqueles que desejam uma atração diferente das tradicionais bandas de baile. Uma banda que foi criada para as grandes festas e baladas de SP e acabou sendo absorvida e encantada pelo mundo dos casamentos. Conhecidos por se entregarem nos palcos e fazerem um show interativo e 100% dançante, destacam-se pela habilidade de manter a pista sempre cheia e animada. 

Banda Macaxeira

A Macaxeira é uma banda paulistana e mineira, que traz obras autorais de seus integrantes, prestigiando ritmos como o maracatu, coco, festas regionais entre outros A banda Macaxeira preocupa-se em retransmitir histórias folclóricas e manter viva a história do Brasil bem como sua musicalidade que é tida como uma das mais ricas do mundo. Sempre com mensagens de esperança e liberdade, a proposta da banda supera as expectativas daqueles que param para ouvir suas letras sobre os santos, boi-bumbá, escravos, índios. Prepara-se para em 2020 lançar seu primeiro álbum de músicas inéditas

Gostaria de acrescentar algo mais?

Vou deixar duas músicas de artistas brasileiros que eu amo e que são meus mestres de vida. Uma é de“Milton Nascimento – Nos Bailes da Vida” (Milton Nascimento / Fernando Brant) que retrata muito do que falamos – sobre os nossos desafios e a beleza de seguir cantando a vida sempre. 

“Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão

Todo artista deve ir aonde o povo está!

Se foi assim, assim será

Cantando me desfaço e não me canso de viver, nem de cantar!”

(procure ouvir a versão do disco “Caçador de Mim” de 1981) 

A outra é do Gil. O Gil, assim como Milton, sempre me emocionou. Eu sempre me espelho neles como uma forma ser uma pessoa melhor, um ser humano além dos limites impostos e/ou determinados. Como cidadão quero  cumprir meu papel e saber que podemos mais sempre. E que nossas escolhas são frutos da nossa própria vontade de ser e amar mais. “Gilberto Gil – Se Eu Quiser Falar com Deus”.

“E se eu quiser falar com Deus 

Tenho que me aventurar 

Eu tenho que subir aos céus 

Sem cordas pra segurar 

Tenho que dizer adeus 

Dar as costas, caminhar decidido, pela estrada 

Que ao findar vai dar em nada”

(Procure ouvir a versão do disco “Luar” de 1981) 

Foto: Igor Gimenez

Rafael Moreira é músico, locutor e agente cultural. Toca desde os treze anos e trabalha com música há onze. Já ganhou diversos prêmios, entre eles o primeiro lugar no concurso de Literatura e Poesia realizada pela ENSG. Entre os trabalhos atuais se destacam a Banda Chocolate Quente (especializada em casamentos e eventos sociais/corporativos) e a Banda 2º DP (que faz experimentos com a música brasileira e shows temáticos.

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